Todos os brasileiros sabem da iniciativa do Governo Federal com o PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida no âmbito do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. A “coqueluche” do momento, em termos de políticas de habitação para populações de baixa renda no Brasil.
Entretanto, este programa que foi vedete nas ultimas eleições não contemplava a comunidade rural com renda de até três salários mínimos. Devido à demanda apresentada por pequenos agricultores e quilombolas, que não eram incluídos na categoria de pequenos agricultores, o Governo Federal em 2008 criou o PHNR – Programa Nacional de Habitação Rural.
O programa vem contemplar famílias com renda anual de até R$10.500,00 e oferece para municípios de até 20.000 habitantes um subsídio de R$12.000,00 para aquisição de materiais, e a comunidade através da construção assistida – mutirão – executa a obra.
Um dos aspectos inovadores deste programa é a relação direta do ente de fomento governamental, neste caso a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Associação Comunitária Quilombola, que, da forma como prevê o regramento, faz a gestão do empreendimento, fortalecendo a efetiva participação dos associados no acompanhamento das obras (a Comissão de Obras é eleita em Assembleia Geral), com abertura de conta específica e os repasses financeiros direto aos fornecedores.
No Rio Grande do Sul, estamos vivendo esta experiência na Comunidade Quilombola de Olhos D’água, situada no município de Tavares/RS, na região do litoral norte do estado. Uma das dificuldades que as associações enfrentam, e especificamente é vivido pela comunidade de Olhos D’Água, diz respeito aos deslocamentos da comissão de obras, uma vez que as agências da CEF, que gerenciam a liberação dos recursos, ficam situadas na capital e em outro município, distante da comunidade. Não há previsão orçamentária para estes deslocamentos necessários, pois o recurso disponibilizado é específico para aquisição de materiais de construção, gerando despesas extras para a comunidade que vive com escassos recursos econômicos.
Esta experiência que estamos tendo e a possibilidade de acompanhar nos permitem afirmar que projetos entre entes do Estado brasileiro e Associações Comunitárias Quilombolas poderão vir a fortalecer o processo de cidadania e emancipação política das comunidades. Mesmo sabendo que algumas atividades das associações são consideradas simples, a vivência da complexidade com o trato das relações governamentais (municipal, estadual e federal) vai concorrer com a necessidade das comunidades incidirem nas questões políticas, o que passa pela análise crítica do desempenho daqueles que são eleitos para representar seus interesses e, muitas vezes, não o fazem conforme a expectativa dos munícipes.
Um dos maiores aprendizados que essa experiência nos tem legado, entre outras desenvolvidas pelas comunidades, é que estas não podem ficar somente à espera de uma ação do poder público, e que a construção, que pode transformar a realidade local, se dará pela capacidade de organização das comunidades.
Muitas vezes, as comunidades recebem um "choque", ao se confrontarem com a realidade da burocracia institucional e perceber a morosidade dos prazos administrativos e a desarticulação entre entes do próprio governo. Neste caso, por exemplo, o Governo Federal é idealizador de um programa denominado Brasil Quilombola, gestado no âmbito da SEPPIR e que teria a intenção de articular todos os demais organismos institucionais (ministérios, secretarias...), entretanto, o que menos se visualiza é essa articulação institucional no atendimento das demandas das comunidades remanescentes de quilombos. Podemos dizer que as políticas públicas para as comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul estão diretamente ligadas à distância de Brasília, e poucas destas políticas efetivamente chegam para de fato provocar mudanças significativas na vida dos quilombolas.
O processo de construção das moradias é realizado em regime de “mutirão”, o que requer uma grande mobilização da comunidade na busca da unidade, ou seja, nesta modalidade não existe o eu e sim o nós. A dinâmica de execução das habitações ocorre através de um projeto técnico que oferece as condições de execução vivenciada pelos quilombolas, pois o recurso disponibilizado inviabiliza qualquer tipo de formação para tecnologias alternativas e para um projeto social que contemple a real situação da comunidade, principalmente dos beneficiários.
A sensibilização e a atuação complementar de parceiros externos viabilizam a plenitude das ações que beneficiarão a comunidade inteira, além dos 15 núcleos residenciais que estão sendo instalados no território quilombola. Esta experiência servirá como estímulo a outros grupos familiares quilombolas ao demonstrar a importância da atuação ativa, coletiva e permanente em ações e atividades da comunidade.
Nesta experiência, o que identificamos como fato negativo até então é a falta de integração entre as Instituições de Governo Federal, estado e município. Além da questão política que permeia as relações sociais em uma sociedade democrática, existem questões técnicas a resolver como infraestrutura básica e saneamento. Município, estado e Governo Federal não conseguem encontrar solução, pois o diálogo é truncado e com entraves de toda a ordem. Os recursos complementares disponibilizados por um ente não podem ser utilizados pela comunidade para o saneamento básico, por não terem sido autorizados por outro agente público de esfera distinta.
O fato positivo a ser comemorado é a grande mudança que esta experiência está operando nas comunidades, demonstrando o empoderamento dos quilombolas e das associações que os representam.
As comunidades quilombolas ainda vivem num intenso sistema de exclusão social. Embora elas não tenham feito voto de pobreza, a sociedade trata estes grupos como se predestinados fossem. Desta maneira, intencionalmente, são esquecidas pelo poder público.
Ações que mobilizam e dão visibilidade positiva aos interesses das comunidades quilombolas são de fundamental importância para afirmar a “dignidade quilombola”. No caso da comunidade quilombola dos Olhos D'Água, este processo começou pela habitação.
Por José Carlos Rodrigues - RS