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Eros Volúsia (Heros Volúsia Machado- 1914/ 2004) foi uma dançarina brasileira nascida no Rio de Janeiro, aluna de Maria Olenewa na Escola de Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje Escola Estadual Maria Olenewa. Estreou no Teatro Municipal e pouco depois podia ser considerada a inventora da dança brasileira. As danças místicas dos terreiros, os rituais indígenas, o samba, o frevo, o maxixe, o maracatu e o caboclinho de Pernambuco foram algumas das fontes de pesquisa artística da bailarina. Em uma de suas inúmeras entrevistas dadas à Revista O Cruzeiro, Eros Volúsia sintetizou sua missão artística: "Dei ao Brasil o que o Brasil não tinha, a sua dança clássica!"

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CARA MINISTRA DA CULTURA ANA DE HOLLANDA

Wilson Montenegro

“Portbou é aquela cidadezinha espanhola na fronteira com a França onde Walter Benjamin, fugindo do nazismo, se suicidou. Na primavera de 1995 passei lá para visitar a sua tumba. Naturalmente, procurei-a no cemitério. Não a encontrei. De uma hora para outra, me dei conta de que não poderia estar ali: ele era judeu, e além do mais, suicida. O cemitério está sobre uma costa rochosa que se debruça sob o céu e o mar. Não muito longe dali, erguia-se do terreno a embocadura de um túnel. Pareciam vísceras de aço construídas com espessas chapas de metal como as dos encouraçados, com escamas de ferrugem causadas pelo sal e pelo tempo. Alguns degraus, também feitos de aço, desciam ao longo do túnel até o mar.
Comecei a descê-los, e minha imagem veio ao meu encontro. Eu via, lá no fundo, a cor verde-azul da água, e ao mesmo tempo, eu via a mim mesmo se aproximando. O final do túnel se defrontava com o vazio e com o mar, e era fechado por uma parede de cristal. Era essa parede que refletia a imagem de quem descia. Enquanto admirava a idéia do monumento que Dani Karavan tinha dedicado à memória do cabalista marxista, eu seguia o fio da minha emoção. A minha imagem naquele vidro ligeiramente opaco parou minha descida. Sobre a parede de cristal, em alemão, espanhol, francês e inglês, estava incisa, em letras minúsculas, uma frase de Walter Benjamin: 'É uma tarefa muito mais árdua honrar a memória das pessoas sem nome do que a das pessoas célebres. A construção histórica é consagrada à memória daqueles que não têm nome’. Eu gostaria de falar sobre o momento central da recente história do teatro como se fosse à história de jovens sem nome. Queria apresentá-la como ela era naqueles anos: uma história subterrânea - como a das toupeiras, que escavam túneis embaixo da terra. Fanáticos deslumbrados por uma miragem? Foi o reconhecimento geral e a celebridade que transformaram essa miragem num diamante?”.

E assim começa o livro de Eugenio Barba, A Terra de Cinzas e Diamantes. Tomei a liberdade de começar esta carta com a história acima, e com um pouco de paciência, a Ministra logo verá que há razão de ser. Os nomes, aqui e ali, são para não haver injustiça na autoria, embora isso implique em outra injustiça: são tantos artistas que é impossível mencioná-los.
Há pouco tempo, uma jovem artista, Maria Eduarda – ligada tanto ao teatro quanto às artes visuais – enviou-me esse texto, no qual há um dos mais belos depoimentos sobre a mais antiga expressão de criação individual – a escultura, por um representante da (talvez) mais antiga expressão organizada de criação coletiva – o teatro, tendo como motivo o filósofo mais sensível às questões da arte.  O destaque, aqui, vai para três palavras: jovem, arte e coletivo.
Recentemente, em 2010, em Porto Alegre, tomei conhecimento do Projeto Areal - um coletivo em artes visuais, fenômeno que marca a virada deste século – que diz “em nossas falas, procuramos sempre caracterizar nosso trabalho como produto de uma interação viva, com pessoas e paisagens, apresentando-o como uma construção em andamento, uma experiência atravessada por outros, um processo de descoberta que se pode experimentar viver sem a preocupação de fazer ou não fazer arte, sem categorizar, sem hierarquizar, sem dar nomes.”
Agora em 2011, conheci em São Paulo o trabalho de duas jovens artistas gaúchas, Romy e Camargo, também com proposta simultaneamente coletiva e individual. Uma delas, por sinal, é amiga de um jovem artista do Rio de Janeiro, Daniel, também de um coletivo, Opavivará.
Ora, Ministra, como pode notar por estes pequenos exemplos, a criação em artes visuais assume uma intensidade cada vez maior, o que tornará seu trabalho mais difícil, mas não menos interessante. Embora Porto Alegre abrigue a Bienal do Mercosul e São Paulo a Bienal que leva próprio seu nome – e que teve em sua última versão, uma poderosa e polêmica expressão política -, como dizíamos, embora abriguem exposições e bienais importantes, os estados do Sul e Sudeste estão longe de dar conta da atual vazão da arte contemporânea, em particular se contarmos com a proliferação dos coletivos e, mais ainda, com a presença massiva da arte digital. Ampliando as questões: quando as formas de criação se interpenetram e as fronteiras se diluem, fica mais difícil separar as formas de arte, o que torna seu cargo mais desafiador.
No Centro-oeste, onde está a nossa capital, há um vazio de eventos (mas não de artistas), como se a arquitetura de Lúcio Costa e Niemeyer bastasse. O governo deveria, como propôs o artista Carlos Vergara, criar uma comissão de críticos (incluindo jovens críticos) para traçar um panorama da nossa história visual, do moderno ao contemporâneo – sem esquecer o período de formação, com Aleijadinho, Athayde e os pintores negros do Império. Assim, para preencher as possíveis lacunas, o governo adquiriria obras e completaria essa grande coleção, um enorme panorama da nossa criação em arte, que poderia estar em exibição permanente na capital, ou itinerar no todo ou em partes, pelos museus do país inteiro. Se o Centro-oeste necessita de cuidado e atenção, imaginemos os estados do Norte.
Seu Ministério já teve uma Rede Nacional de Artes Visuais, cujo maior mérito foi buscar caminhos. A rede, em nossa cultura, ampliou seu sentido. Já não é mais apenas para descanso ou “prova da nossa preguiça”, e infelizmente ainda é para “transporte” de anjinhos pobres (outra forma de descanso) ou dos mortos severinos. Aquela Rede pode ser reativada em um modelo, para usar uma palavra em voga, mais rizomático. Neste nosso país de permanentes descobertas, um sorridente Buda Nagô, semissubmerso na margem do Guamá, lançando suas caravelas ao encontro da pororoca, me fez tomar conhecimento da existência de uma pessoa extraordinária, a articuladora da Rede Teatro da Floresta, GordaWlad, atuando em teatro na Amazônia há cerca de 30 anos, quase o mesmo tempo de (r)existência do Teatro de Roda, outra criação brasileira, inventado a partir de um barbante.  Isso me leva a uma pequena consideração: somos quase sempre convidados para participar de festivais importantes, como em Lyon e em Avignon, na França. O que me leva a perguntar porque a França faz festivais internacionais importantes no interior do país e porque o (nosso) governo não faz e não facilita mais o envio de representações?
Poderia haver uma bienal que fosse talvez uma bienal equatorial, com duas sedes: uma no Norte (Belém, por exemplo) e outra no Nordeste (quem sabe em Recife ou São Luiz). A quantidade e qualidade de artistas dessas regiões é tão importante quanto a que ocorre mais ao sul. Sei que a Ministra não ignora a terra de Gilberto Freyre, tampouco suas origens históricas remotas e recentes. Além disso, a existência de uma grande exposição nesses lugares poderia chamar a atenção para nossas questões mais formadoras: dar o devido destaque à Fundação do Homem Americano, e voltar um braço para a África e outro para a América Latina.
Outra questão delicada é a de direitos autorais. Em 1979, o compositor Aldir Blanc escreveu na contracapa de um disco, que aquele era um disco generoso. Isso se dava não só devido à interpretação da cantora, Aline, mas ao fato de todos os músicos tocarem de graça e os compositores não terem cobrado os direitos de edição, inclusive ele. Tal generosidade foi o que permitiu o aparecimento do disco independente e marcou ainda a possibilidade da música instrumental brasileira aparecer com toda a sua força de forma mais ampla, com os músicos fazendo seus próprios discos e tocando de graça nos dos companheiros. Contudo, como bem disse seu antecessor no cargo, o Estado não tem direito de pedir ao artista que doe obras de arte, esse é o ganha-pão dele, de onde tira seu sustento. Por extensão, creio que o Estado também não tem direito de pedir a qualquer criador que abra mão dos seus direitos autorais. Sabemos que há alguns autores que vivem muito bem recebendo seus direitos, mas a maioria (entre os quais me encontro) quase nada vê do que tem direito. Então, peço-lhe que veja essa questão ampliando o olhar de seu antecessor, mas sem deixar de enxergar todos os matizes. O que leva a outra questão: alguns dos textos mais importantes para a arte brasileira estão em livros esgotados, em especial os de Mário Pedrosa. Há até pouco tempo, inclusive, o único texto acessível do seu pai era “Raízes do Brasil”. Sabemos todos da importância deles. Sabemos também que a questão da reprografia, particularmente em universidades, tem criado um problema sério, com invasões policiais, não raro com apreensões de originais e com prisões do empregado, sempre um pobre. Como medida imediata, peço-lhe que converse com seus colegas dos Ministérios da Educação e da Justiça, no sentido de coibir essas invasões, pelo menos enquanto não se decide o novo caminho da lei. Imagine há poucos anos a polícia entrando na Faculdade de Física e prendendo todos os alunos e professores, já que o curso era dado por cópias reprográficas do livro de Moyses Nussenzveig, escrito à mão por ele mesmo, e apenas recentemente editado.
Talvez tudo isso já tenha sido dito no Plano Setorial das Artes Visuais, encaminhado pelo Colegiado Setorial de Artes Visuais – esse representante do nosso imenso coletivo, que tenho certeza a Ministra conhece a ambos e buscará implantar aquele e prestigiar este.
Termino, todavia, com um pedido, pessoal e também coletivo. Creio ser de interesse de seus colegas da Fazenda e do Planejamento, que todos possamos ter trabalho e pagar impostos, mas, Ministros, com essas taxas não dá! Somos todos criadores e não prestadores de serviços (embora haja gentileza nessa expressão: prestar serviços). Como criadores, não raro individuais, nós artistas somos cada qual um microempresário. Intervenha junto a eles para permitir que nossa nota não tenha a taxação famigerada do RPA, e que reconheçam em cada artista pessoa física, um artista pessoa jurídica. E que isto valha para os editais de seu Ministério, também.
Copio, a seguir, trechos de um artigo de Paulo Sérgio Duarte, de antes das eleições, mas claramente endereçada ao seu Ministério:
“Entretanto, a questão crucial não foi enfrentada desde 1985: (...) a participação da cultura em projetos sociais, como os de urbanismo e habitação e os de alimentação. (...) O caso da distância da cultura dos projetos educacionais é o maior problema. (...) O caso da ausência da dimensão cultural na formulação dos projetos sociais aponta para as tragédias que estamos construindo. (...) habitações de arquitetura pífia. Para quem mora embaixo da ponte é um ganho enorme, mas levar o miserável a habitar um verdadeiro campo de concentração forma cidadania? (...) E não esqueçamos que é tempo de a dimensão cultural entrar na política de alimentação. Pode parecer absurdo, mas depois do Fome Zero é importante pensar na qualidade da alimentação num processo de educação alimentar das populações mais pobres, e, de novo, a política cultural terá que encontrar um nicho para se meter nesse assunto: o que comem os brasileiros pobres. (...) Esses são desafios para uma política cultural mais abrangente do que a que vem sendo executada há mais de duas décadas.”
Nascido no Amazonas, às margens do Rio Negro, habito as margens do mar do Rio de Janeiro, onde vivo minha pororoca particular, como muito brasileiro migrante, que é lutar pela(s) nossa(s) cultura(s).
Na certeza de minhas falhas,
Atenciosamente,
Wilton Montenegro