Entre os 40 bailarinos e coreógrafos de diversos países, como Alemanha, USA, França, Holanda, Japão, Congo, Burkina Faso, Nova Guiné, Costa de Marfim, Gabon, Togo, Suíça, Espanha, La Reunion, RDC e Chile, estávamos nós - Junia Bertolino e Lu Silva da Cia Baoba (BH) e Roberta Roldão (Uberaba) - representando o Brasil e um pouco da sua dança, aqui no Senegal. Como “negras” brasileiras, sentimos este um momento de forte intercâmbio cultural e muito estudo da dança africana, além da oportunidade singular de estar e estudar com Germaine Acogny, grande mestra da dança senegalesa no mundo.
No período de um mês e meio, 18 de julho a 27 de agosto de 2011, um curso foi oferecido na cidade de Toubab Dialaw no Senegal, pela Associação Jant-Bi, onde aprendemos muito com a África e nossos irmãos dançarinos de diásporas, possibilitando-nos intercâmbio cultural e ensinamentos da oralidade ancestral através das danças tradicionais, bem como seus diálogos com o contemporâneo. Este é o 14º estágio de formação profissional em danças tradicionais e contemporâneas africanas, criado em 1996 pela Ecoles Des Sables sob a direção artística de Germaine Acogny e Patrick Acogny, e com a direção administrativa de Helmut Vogt.
Com relação á programação, tínhamos aulas de danças africanas: contemporânea, tradicional e moderna, com Patrick Acogny (França-Senegal), Solo Badolo (Burkina Faso), Cire Beye (Sengal), Sabar, Raouf Tchakondo (Togo) e Germaine Acogny (França-Senegal). Todos os profissionais buscavam nos passar toda sua experiência e técnica, juntamente com seu assistente Pierre Doussaint (França) O curso objetiva incitar reflexão sobre a história pessoal: a escolha pela arte e as dificuldades. E, sobretudo, levantar questionamentos: Como posso melhorar? Como posso aprender com o outro e trocar experiências? No Brasil, se faz urgente um curso e uma escola assim.
Germaine Acogny |
São vários os momentos marcantes do curso, mas a oportunidade de ter tido contato com a árvore Baobá foi, de sobremaneira, especial. Gostei muito também de ter tido contato com as rochas, com a natureza, pisar na terra, sentir e pensar no corpo jovial e no saber ancestral. Como também, o dia da palestra com Germaine Acogny sobre a criação na Ecoles Des Sables, foi transformador ouvi-la falar sobre: seus sonhos e desejos; das dificuldades em alcançar seus objetivos; a sua linda arte, enfim, percebi que tudo isto tinha haver com minha vida especialmente. Acredito na beleza da arte, na dedicação e no compromisso para um bom trabalho. E essa escola foi muito importante para a África, por isso Germaine é uma grande referencia e mestra. E esta realização de sucesso e profissionalismo, torna-se, sobretudo para nós mulheres e bailarinas negras, um importante referencial.
Na primeira semana senti muita dificuldade com o ritmo, mas depois fui me acostumando. A questão da língua é complicado, e realmente limita um pouco a comunicação, pois queria expressar minhas idéias, contribuir com minha personalidade mas as vezes precisava ficar calada e até isso foi aprendizagem: calar mais, aceitar e apenas escutar, exercitar a dança. Tempo de estágio interessante, mas acredito que o periodo de 03 (tres) meses é ideal para uma maior profissionalização e aprendizado.
O dia de troca entre os alunos sobre as danças tradicionais, sobretudo as africanas, foi muito especial, como o espetáculo da companhia Jant-Bi, motivando o profissionalismo e a rica criação para futuros trabalhos da Cia Baobá. Esse encontro com os dançarinos africanos foi muito transformador, porque sendo o Brasil o segundo pais de população negra no mundo, sabemos da importância deste legado. Portanto, estar com a grande mãe África e pensar em nossos ancestrais, refletir de qual etnia pertenço: senegalesa, guinense, angolana, etc, estar aprendendo com artistas africanos, foi maravilhoso.
A felicidade em ter estado nesta terra especial parte de minha história e herança, vibrando com cada dança africana do Togo, Burkina Faso, Congo, Gabon; Costa de Marfim e outras, foi muito rico como aprendizagem. A familiaridade reconhecida em meu corpo, em sua história e dança, por meio dos ensinamentos passados pelos mais velhos, com sua força foi algo ancestral.
Continuar essa formação se faz desejo e necessidade, pois entendi minha trajetória na arte e porque vim parar aqui. Para cumprir a missão na arte tenho que ter humildade, dedicação, sabadoria e disposição. Dançar é um dom divino e precioso. É uma comunicação especial dos homens com Deus. Oxalá me dê saúde e força para servir e dançar muito, com verdade e alegria.
Um dos momentos de aula do Curso |
Há 15 anos danço profissionalmente, mas tenho sede de informação para melhorar sempre o meu trabalho. Cursei em 2010 uma pós-graduação em Estudos Africanos e AfroBrasileiros pela PUC-MINAS, defendendo monografia sobre ‘Expressões de Ancestralidade Negra na dança afrobrasileira’, como pretexto á conhecer mais nossa historia e identidade negra, como sobre a importância da performance e da profissionalizacao dos artistas negros.
O curso no Senegal chegou num momento importante estimulando novas possibilidades, como o projeto que vou fomentar através da Cia Baobá, tendo a Germaine Acogny como coordenadora na criação do espetáculo tendo a participação de dancarinos de diferentes nacionalidades que passaram pela escola dela. No ano de 2009 Rui Moreira e Gil Amancio participaram deste curso e 2010 foi a vez de Paula e Gaya Dandara, artístas e bailarinas de Belo Horizonte. Assim, ter estado no curso foi muito importante pois possibilitou unir a prática e teoria, a academia a arte, o fazer cultural e a corporeidade negra.
Á caminho de um mestrado em Artes desejo ter a dança e arte africana como prioridade de diálogo com a arte brasileira, por isso ter a técnica da Germaine Acogny, a experiência do Patrick Acogny como grande coreógrafo e pedagogo, ou a experiência da Ecole Des Sables com essa difusão da arte negra e preocupação com a formação de novos dançarinos e coreógrafos, são importantes. O primeiro passo já foi dado com a participação no curso no Senegal, e agora dou continuidade cursando matérias isoladas no mestrado de arte da Universidade Federal de Minas Gerais, onde me formei em antropologia.
Agradeço a Ecoles Des Sables toda aprendizagem, oportunidade e apoio com passagem aérea junto ao Ministério da Cultura através da embaixada brasileira. Como também, pela bolsa para o curso, especialmente para a Maria de Lourdes que teve a passagem financiada pela Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais, outra integrante da Cia Baobá que me ajudará a repassar os ensinamentos absorvidos no curso.
Agradecimento: Ao Centro Internacional de Formação em Danças Tradicionais e Contemporâneas da África; a Jant-Bi/ Ecoles Des Sables, Tobab Dialaw – BP 22626, 15523 Dakar / Senegal
(Email: janbi@gmail.com; www.jantbi.org); E a Cia. Baobá de Dança/Minas. (baoba.danca@gmail.com; juniabertolino@yahoo.com.br; www.ciabaoba.com.br)