Por Elisa de Magalhães
Artista visual, bailarina e jornalista
Artista visual, bailarina e jornalista
Elisa de Magalhães |
O filme de Allan apresenta poeticamente vidas que se dedicam à dança e à arte, integralmente, sem concessões, num amor sem limites, que consome. Para Allan, escolher a Companhia, sua história e personagens e misturar a isso uma ficção, como tema de seu primeiro filme, foi um desdobramento natural.
Conversei com Allan Ribeiro quando ele se preparava para estrear “Esse Amor Que Nos Consome” no Festival de Cinema de Brasília, em 2012:
Allan Ribeiro |
ALLAN
– A história é quase 100% verdadeira e com os
próprios personagens. Mas acontece que a gente utilizou uma filmagem como na
ficção. Fizemos uma pesquisa de 6 meses, escrevi o roteiro com o diretor da
Companhia de Dança, que é o Gatto Larsen, e depois filmamos como uma ficção. Ou
seja, não foi um documentário, em que as coisas estavam ali acontecendo
espontaneamente. A gente interpretou os atores já sabiam as cenas quais seriam,
eram combinadas, às vezes ensaiadas, quase sempre não, porque a gente tentava
ser mais espontâneo. E eles tinham um roteiro. Não foi feito na montagem o que
seria interessante da vida deles ou não; isso foi feito no roteiro, na
pré-produção. A gente já chegou na filmagem com o roteiro pré-estabelecido. Ele
tem uma filmagem, uma cara de ficção, nesse sentido. Apesar de estarmos abertos
a novas possibilidades, coisas espontâneas, ao acaso, durante as filmagens.
Isso também entrou no filme.
A – Para novas
situações, de improviso...
E – A sua relação com a Companhia não
é de agora. Não é à toa que, nesse filme, você consegue fazer uma ficção em
cima do que é real, do que acontece no dia-a-dia da Companhia. Sua relação com
eles começou há muito tempo e até penso que esse roteiro não foi desenvolvido
agora, por você e pelo Gatto. É como se ele viesse sendo costurado desde 2006,
que foi a época que vocês se conheceram e começaram a trabalhar.
A – Exato! A gente se
conheceu porque eu fiz um simples registro de um espetáculo deles, que se
chamava “Quase uma História”, em 2006, e depois disso a gente fez uma relação,
porque eu fiz uma restauração de uns arquivos deles, de audiovisual, tinham
várias fitas antigas, a gente fez uma caixinha de DVD muito legal e, hoje em
dia, a gente é parceiro, eu sou praticamente da Companhia, fico mais na parte
de vídeo, lógico, eu não sou dançarino, mas a gente tem uma parceria grande. E mais
do que o roteiro ser costurado, ser desenhado, desde essa época, acho que é
mais a relação. A forma como eles estão à vontade diante da câmera, depende
muita da confiança desses 6 anos, que a gente já se conhece, já se estuda e se
admira. Então acho que o roteiro foi só um pretexto para contar a relação deles
com a arte, essa entrega da vida deles para a dança é muito bonita.
E – Você conta a história a partir do
momento que eles mudam para a atual sede da Companhia e casa deles, aquele
imóvel enorme, na Praça da Cruz Vermelha. Essa decisão de começar ali foi de
quem? Foi sua, do Gatto, de vocês dois e por quê?
Making Of
|
E - O título do filme “Esse Amor Que Nos Consome”, acho que
traduz bem a relação da Companhia com a arte e o próprio trabalho deles. Agora,
porque você escolheu esse título, de onde vem?
A – Esse é um
espetáculo antigo da Companhia. A gente tinha até uma coisa provisória do tipo
“Territórios”, “Terreiro”, que é como eles chamam o casarão – o Terreiro. Depois
da filmagem, a gente percebeu que o filme era mais do que isso. Que era essa
entrega deles mesmo, das relações entre os componentes da Companhia, entre o
Gatto e Rubens, entre a dança e eles todos, entre mim e eles, enfim. O filme
tem muitas camadas, tem essa questão da habitação, tem essa coisa do
companheirismo entre os dois, tem a Companhia inteira, é ficção, é dança... é
tanta coisa junta que eu achei que esse título seria muito bom. O amor, ninguém
sabe definir muito bem, assim como a gente não conseguia definir muito o filme,
e esse é um espetáculo que eles não têm filmado, eu achei interessante “Esse
Amor Que Nos Consome” também ser o título do filme.
E – É engraçado isso...
A – É, mas apesar de o
filme ser bem complexo de se resumir, a gente está tendo um tempo aqui maior,
acho que vai dar para explicar o que é o filme. Mas, às vezes, a gente tem que
fazer uma sinopse, falar em poucas palavras o que é o filme, e a gente tem uma
dificuldade muito grande, por causa dessa grande quantidade de camadas. Apesar
disso, o filme passa e as pessoas entendem perfeitamente. As histórias estão
bem montadas, estão bem explicadas, e as danças entram de uma forma bem
natural, geralmente são coreografias ligadas ao que está acontecendo no
roteiro, à vida deles, e eu acho que ele pode atingir um público que não é
cinéfilo, pode atingir qualquer público.
E – Pode-se pensar que o filme é
também uma vídeo-dança, porque conta uma história, uma história que é ficção e
é realidade e, ao mesmo tempo, se dança aquilo que se conta.
A – É... a gente pode
chamar de vídeo-dança nesse sentido, porque é vídeo e a dança está bem presente
no filme, mas eu evito chamar de docudrama, vídeo-dança, porque são nomenclaturas
que já tem um formato, uma linguagem muito específica, e a gente acredita que
fez uma ficção mesmo, com alguma dança. Um jornalista me perguntou se era um
estilo de musical... também não é. A gente acredita que fez uma coisa nova que
fica difícil de classificar.
E – É o seu primeiro longa-metragem,
não é?
A – Isso! Já fiz nove
curtas, inclusive um com a Companhia, é importante falar, que foi o “Ensaio de
Cinema”, um dos meus curtas mais premiados e onde a gente já testou esse tipo
de relação de ficção e da vida real deles.
E – O “Ensaio de Cinema”, então, foi uma espécie de ensaio para “O Amor Que Nos Consome”?
A – É. A gente não sabia que ia fazer um longa,
né? O “Ensaio de Cinema” pode ser, mas o
título é por conta deles serem dançarinos e terem uma perfomance dentro do
curta que fala de cinema.
E – É o seu primeiro longa-metragem,
nascido dessa relação tão longa, e de um amadurecimento dela, porque, embora o
roteiro tenha sido escrito recentemente para o filme, até chegar nele houve uma
alimentação e uma sedimentação da relação por todos esses anos.
A – Você diz “amadureci”
em relação à Companhia ou cinematograficamente?
E – Acho que as duas coisas, Allan,
por que você tem tantas abordagens cinematográficas da Companhia, tanto
filmando para um cenário, como com o curta, como com a organização do acervo, a
documentação de alguns espetáculos...
A – Eu me formei em
Cinema em 2006, então acho que estou numa fase de amadurecimento, ainda. Apesar
de que esse longa eu acho um filme bem rígido, bem construído. Tive bons parceiros
também, fazendo o filme, mas para ele ser dessa forma, uma tentativa de ser uma
linguagem nova, acho que é um pouco do compromisso de fazer um filme com a
Companhia Rubens Barbot, que é uma companhia que faz dança de vanguarda, que
tenta se reinventar a todo o momento. Então, a vontade de fazer um filme com
eles, não só porque eles são excelentes personagens, mas também, porque
encontrei parceiros que tentam sair do lugar comum. Eles têm toda a tradição
com a dança africana, com o folclore afro, com as danças religiosas, mas estão
ligados no contemporâneo e tentam misturar essas coisas todas que, no fundo, é
a vida deles, também, né?
Make Up |
A – Eu acho que é tudo
isso junto. O Rubens e o Gatto tem uma força incrível no filme, são os dois
personagens principais, mas é a Companhia que dá o colorido, também, os ensaios,
tanto de clássico, como da música afro, do terreiro e as performances em que
eles se espalham pela cidade do Rio... é interessante dizer que nem Gatto nem
Barbot são nascidos no Rio, mas eles ocuparam a cidade como se fosse o lugar
deles desde sempre, e a gente tenta mostrar isso através da dança, no filme.
Então é sobre a Companhia, também. É legal dizer que não é nada histórico sobre
a Companhia, não tem necessidade de dizer quem são eles. O filme não diz, por
exemplo, que eles são a primeira companhia brasileira afro de dança contemporânea.
O filme não se preocupa com isso. O filme se preocupa com o sentimento que eles
passam né! Com essa força do que eles estão construindo a cada dia.