Gatto Larsen
Produtor – Encenador
Neste final de domingo
chuvosos sobre a nossa cidade, e eu caminhando pelas ruas desertas do centro de
um Rio de Janeiro, cinza e poético, penso. Gosto muito de pensar nas coisas
acontecidas enquanto caminho, parece que consigo enxergar com maior clareza e
analisar os fatos.
Lembrei, por exemplo, do
incêndio acontecido na noite do dia 10 de Julho do ano de 2010 transformando em
fumaça, cinzas e desolação 20 anos. Lá se foi o acervo de figurinos e adereços,
um atelier completo onde se fabricavam todas essas peças, de onde saiam os
sonhos transformados em realidade. Livros, computadores, equipamentos de som e
vídeo, linóleos de várias cores, tecidos - que aguardavam a hora de ser algo
mais que tecidos, caixas com pequenos detalhes, luvas, cintos e bijuterias,
feitos especialmente para os personagens que ajudavam a compor. Cadeiras e a oficina
completa de cenários, elementos de iluminação e novamente livros, muitos
livros, CDs, fitas de vídeo, e tantas, tantas coisas...
Às vezes nos pegamos procurando alguma coisa... Que não
encontramos... Ah! Estava com o figurino que queimou, é a resposta. E nessa
hora chego a sentir o cheiro daquela fumaça. Na mesma noite, com o mesmo cheiro
da fumaça, enquanto o espaço da companhia era devorado pelo fogo e pela água
dos bombeiros, eu olhando sem pensar em nada, só vendo uma chave presa por dois
dedos, balançando, apareceu diante dos meus olhos embotados, de calor, fumaça,
gente... Muita gente! Vapor e vozes, muitas vozes, atrapalhando a noite daquele
sábado na Lapa. Junto com a chave, uma voz calma e apaziguadora dizia: “Se serve pode usar! É um prédio em
construção que está sem acabar! Está à venda. É precário de tudo! Há um
depósito no térreo, mas se servir para amenizar a situação, a chave está aqui.” – Agradeci, e respondi: “Não vou pegar a chave, mas se precisar falo
com você”.
Na caminhada, entre ruas e becos, lembrei que exatamente
30 dias após o incêndio, bati na porta do empresário perguntando: “A proposta ainda está de pé?” Peguei a
chave, e fomos para o tal imóvel. Desse dia lembro pouca coisa, mas o que
lembro, como se fosse agora, se materializa nesta folha de papel e sinto o
mesmo arrepio acompanhado de um profundo suspiro e logo a sensação de descanso,
uma sensação aprazível, até gostosamente fresca, como esta noite de outono em
que escrevo estas memórias. O corpo, meu corpo, sentiu algo que não sei
explicar naquele dia 10 de Agosto ao entrar no imóvel. Mesmo sabendo que a
propriedade estava à venda e não teríamos dinheiro para comprar, dois meses
depois começamos a sonhar um sonho chamado Terreiro
Contemporâneo. Escrevi o projeto, Cláudia Ramalho fez a revisão e Luiz
Monteiro o aperfeiçoou. Era um sonho, mas os dias, meses e anos se passaram e o
imóvel não foi vendido, apesar dos inúmeros visitantes que passaram pelo
corretor.
Um
trabalho por encomenda... Outro não estreado, ainda... Um filme, um patrocínio
que rendeu outro trabalho e... Foi um sucesso: prêmios, aplausos, viagens... E
a ingrata procura de tentar abrir portas para apresentar a ideia, que no apagar
das luzes do ano 2012... A surpresa: Vamos fazer o Terreiro Contemporâneo! O
imóvel não está mais à venda! O sonho se tornou realidade.
Isso trouxe à tona a composição da Companhia, nesta hora
tão importante. Importante não somente para a Companhia Rubens Barbot em si - claro
que ter uma sede permanente é uma satisfação -, mas importante para as artes
cênicas negras e contemporâneas. Nesta hora, o elenco e corpo criativo da
Companhia está formado, resistentes lutadores, Rubens Rocha, bailarino,
coreógrafo assistente e mestre de dança e Luiz Monteiro coreógrafo, assistente
de direção, professor e ex- bailarino
juntamente com Rubens Barbot são da época da criação, por tanto são da
era da pobreza da trupe.
Claudia Ramalho, bailarina,
pesquisadora, docente, mestre em artes, representa o médio dos conquistadores.
Ela chegou em 2001, em 2005 foi respirar outros ares, mas continuou palpitando
na companhia e voltou em 2012. Carlos Maia, jornalista e ator, e Wilson Assis,
bailarino, capoeirista, produtor e professor, pertencem à nova geração,
chegaram em 2005/2006. E o novíssimo Eder Martins, ator e bailarino, chegado na
segunda metade de 2011.
Á todos eles somasse nomes
como Maria Júlia Ferreira, magnífica designer gráfica, que desde 1994 é quem
vai dando cara e rosto às idéias; César de Ramires, iluminador, amigo e
conselheiro, que está junto puxando o barco desde 1993; Allan Ribeiro, cineasta
e videomaker, que cuida da imagem da companhia, desde 2006; E a recém chegada
Veronica Luzia, designer e web divulgadora, que abraçou esta revista em 2001 e
não sabia que estava abraçando a Companhia inteira; Wilton Montenegro, nosso fotógrafo,
impecável artista contemporâneo, pensador, intelectual e debochado, nosso amigo,
meu e de Barbot, antes que a companhia sequer fosse pensada...
Assim,
as imagens que acompanhavam meu pensamento, passavam e ao mesmo tempo caia a
ficha do Terreiro Contemporâneo. Ele, o Terreiro, é fruto da perseverança, do
espírito de guerrilha, da luta, de incêndios, da persistência de nossa gente,
do suor, de chãos duros, de dúvidas... Tudo! E parece que foi... Ayer Nomás*.
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* Ayer Nomás, título tomado
emprestado da música homônima de Moris.