Por Claudia
Ramalho
Bailarina, pesquisadora e editora
“A dança
necessariamente tem uma origem. Foi inventada por um povo, uma cultura e por
esta razão, falamos hoje de dança francesa, dança chinesa, dança africana,
dança brasileira, etc. Em contraste, a Dança Negra ou Black Dance não tem
sentido. A dança é universal, sua linguagem é universal. Ela não tem cor !!!
O Samba é uma dança
brasileira de origem africana, que no Brasil é dançada bem por todos: os brancos,
os negros e os mestiços. O Samba não tem cor, não é negra, nem branca ou amarela.
Da mesma forma, embora nascido no Ocidente, o balé não tem cor, sendo dançada bem
pelos brancos, negros, asiáticos, bem como, pelos mestiços. Além disso,
raramente ouvimos o termo Dança branca!!!!
Falar sobre o termo
Dança Negra ou Black Danse é sempre, de modo consciente ou inconsciente, assumir
posicionamento em relação às danças executadas pelos ocidentais. Esta situação
pra mim tende a reforçar as idéias de hierarquia entre as pessoas. E esta
situação é especialmente mais verdadeira que, algumas pessoas sofrem de
complexo todos os tipos falando de dança negra.
Quando dançarinos
negros executam com brio os balés clássicos são negros, tem-se a impressão de
que toda e qualquer dança executada por negros automaticamente torna-se negra, mesmo
que esta dança tenha nascimento no Ocidente, como o balé clássico. O flamenco e
muitas outras danças espanholas são de origem africana, mas nunca dizemos dança
negra ou black dance quando a dança flamenca é dançada pelos espanhóis.”
A declaração
acima foi feita por Alphonse Tiérou um renomado bailarino, coreógrafo e escritor da
Costa do Marfim/ África, formado pelo Instituto
Nacional de Artes de Abdjan, dilata o campo de saber da Dança. Desta
maneira, vamos conhecer um pouco mais deste grande pensador e artista d’África:
Tiérou
criou um vocabulário de notação dos gestos da dança tradicional africana
(1983), sendo convidado pela UNESCO como consultor para pesquisar a Dança na
África (1988 a 1996), tornando-se o primeiro teórico sobre tal assunto.
Escreveu vários livros, artigos, além de dar palestras, sobre a cultura
africana e a linguagem da dança. Ministrou cursos sobre a Dança tradicional e
contemporânea africana em vários países africanos, dando luz a organização da I
Reunião da Criação Coreográfica
Pan-Africana em Luanda/ Angola em 1995, do qual foi diretor artístico e
depois se transformado num evento bienal. Em Paris (1992) funda o Centro de Recursos de Ensino e Pesquisa para
Criação Africana – Escola de Dança Dooplè. Indiretamente cria e organiza várias
exposições de escultura, máscaras e dança africana.
Docente de
renome internacional, Tiérou atualmente oferece
ensinamento ao público em geral, e desde 2002 apresenta o resultado de sua
pesquisa teórico e prática sobre ‘A
poética da dança africana e o saber da arte primitiva’ e ‘Qualidades da dança africana’. Em 1989 –
1990 ministra aulas de dança africana para a equipe do Hospital especializado
de Avignon, em Avignon (França).
Dentre seus
livros destacamos ‘La Danse Africaine
Peut Faire Bouger L'Afrique’ somente publicado em 2001, onde Alphonse Tiérou inaugura abordagem
teórica à dança africana apresentando um vocabulário gestual que inclui 10
movimentos básicos comuns (invariantes) existentes por todo o continente
africano, abrindo desta maneira, caminho para a criação coreografia
contemporânea em África. Nesta pesquisa o Alphonse
vai mais longe ao considerar a dança a partir da perspectiva da economia, onde
também restaura a relação entre a dança e escultura africana como elemento de
um universo artístico comum e, portanto, mais significativo. Para este a dança
e a essência da cultura africana, revelando a alma dos povos d’África, e acima
de tudo a preocupação do homem africano. Assim, qualquer projeto de
desenvolvimento econômico e social á ser realizado neste continente que exclua
este homem esta fada ao fracasso.
Para
Tiérou a entrada de arte africana no
Louvre (Paris, França), em abril de 2000, permitiu à todos no mundo terem a
oportunidade de olhar para a estética africana e cada um observá-la de modo
diferente. Todavia confessa:
“o que sabemos para certas posturas corporais evocadas por estas
esculturas antigas em relação à dança e a história da arte? E em comparação com a análise de
movimento, de que modo um bailarino/dançarino ou artista será hoje capaz de
fundamentar seu trabalho a partir dessa obra de arte? Há uma expectativa real
sobre esta demanda e claro, essas questões não são apenas elementos de pesquisa
a serem desenvolvidas.”
É
evidente que Tiérou sabe que estas questões não são os únicos modos de refletirmos
sobre a arte africana e nos oferece outras observações:
-
“É irresponsável pensar que o ensino da
dança africana é apenas uma questão de ‘jarretes de força (forte musculatura) de
panturrilhas e pernas’, e que não possuem um suporte de reflexão, imaginação ou
criatividade. Não nos deixemos seduzir pela ignorância de alguns e pela maldade
de outros ao julgar com desgaste tudo que está relacionado à dança africana”;
-
“A dança clássica luta contra a gravidade e busca a verticalidade. A dança
africana lida com a atração da gravidade das curvas, espirais, quebradas,
oblíquas, horizontais e dos movimentos angulares. Ambas as escolas parecem
opostas e ainda não há convergências”;
-
“África não é um local de acampamento nem
uma aldeia. Não é uma cidade, nem um país. A África é um continente! Além disso, a África de ontem não é a África
de hoje. Não será também a África de amanhã. A
dança africana e sua criação artística devem refletir essas realidades
em alguma medida”.
- “Vamos
nos distanciar – pessoas, instituições e entidades, para que examinemos melhor
e deixemos de negar todo um continente o direito de qualquer forma de evolução,
modernização ou inovação, como se a África em toda sua dimensão continental devesse
continuar sendo encarada como um museu das tradições que pertencem somente ao
passado”.
Coreografia 'Eu sou porque nós somos' |
Por fim, podemos
observar que a linguagem da dança, de modo geral, e da dança africana, de modo
singular para Tiérou, produz bens
culturais não podendo somente ser vista atuando com um papel de catalisadora,
mas devendo sim, todavia, ser apontada como motora da evolução das
mentalidades, as quais reforçam sua coesão com o mundo e com o homem – ‘os passos
de dança movem África!’
Desta maneira
podemos reconhecer na dançologia de Alphonse
Tiérou que a Dança Africana permanece ainda um saber com muitas facetas desconhecidas
a serem descobertas e que os passos de dança movem África!
“Presente
em todas as ocasiões (batismo, indicação dos nomes, o veredicto do juiz...), do
cerimonial ou entretenimento, a dança é uma memória coletiva ou um banco de
dados de valor inestimável.” (Alphonse Tiérou)
Fontes de referência: