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Eros Volúsia (Heros Volúsia Machado- 1914/ 2004) foi uma dançarina brasileira nascida no Rio de Janeiro, aluna de Maria Olenewa na Escola de Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje Escola Estadual Maria Olenewa. Estreou no Teatro Municipal e pouco depois podia ser considerada a inventora da dança brasileira. As danças místicas dos terreiros, os rituais indígenas, o samba, o frevo, o maxixe, o maracatu e o caboclinho de Pernambuco foram algumas das fontes de pesquisa artística da bailarina. Em uma de suas inúmeras entrevistas dadas à Revista O Cruzeiro, Eros Volúsia sintetizou sua missão artística: "Dei ao Brasil o que o Brasil não tinha, a sua dança clássica!"

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Dançologia Negra: Mestre Alphonse Tiérou

Por Claudia Ramalho
Bailarina, pesquisadora e editora

“A dança necessariamente tem uma origem. Foi inventada por um povo, uma cultura e por esta razão, falamos hoje de dança francesa, dança chinesa, dança africana, dança brasileira, etc. Em contraste, a Dança Negra ou Black Dance não tem sentido. A dança é universal, sua linguagem é universal. Ela não tem cor !!!
O Samba é uma dança brasileira de origem africana, que no Brasil é dançada bem por todos: os brancos, os negros e os mestiços. O Samba não tem cor, não é negra, nem branca ou amarela. Da mesma forma, embora nascido no Ocidente, o balé não tem cor, sendo dançada bem pelos brancos, negros, asiáticos, bem como, pelos mestiços. Além disso, raramente ouvimos o termo Dança branca!!!!

Falar sobre o termo Dança Negra ou Black Danse é sempre, de modo consciente ou inconsciente, assumir posicionamento em relação às danças executadas pelos ocidentais. Esta situação pra mim tende a reforçar as idéias de hierarquia entre as pessoas. E esta situação é especialmente mais verdadeira que, algumas pessoas sofrem de complexo todos os tipos falando de dança negra.

Quando dançarinos negros executam com brio os balés clássicos são negros, tem-se a impressão de que toda e qualquer dança executada por negros automaticamente torna-se negra, mesmo que esta dança tenha nascimento no Ocidente, como o balé clássico. O flamenco e muitas outras danças espanholas são de origem africana, mas nunca dizemos dança negra ou black dance quando a dança flamenca é dançada pelos espanhóis.”

A declaração acima foi feita por Alphonse Tiérou um renomado bailarino, coreógrafo e escritor da Costa do Marfim/ África, formado pelo Instituto Nacional de Artes de Abdjan, dilata o campo de saber da Dança. Desta maneira, vamos conhecer um pouco mais deste grande pensador e artista d’África: Tiérou criou um vocabulário de notação dos gestos da dança tradicional africana (1983), sendo convidado pela UNESCO como consultor para pesquisar a Dança na África (1988 a 1996), tornando-se o primeiro teórico sobre tal assunto. Escreveu vários livros, artigos, além de dar palestras, sobre a cultura africana e a linguagem da dança. Ministrou cursos sobre a Dança tradicional e contemporânea africana em vários países africanos, dando luz a organização da I Reunião da Criação Coreográfica Pan-Africana em Luanda/ Angola em 1995, do qual foi diretor artístico e depois se transformado num evento bienal. Em Paris (1992) funda o Centro de Recursos de Ensino e Pesquisa para Criação Africana – Escola de Dança Dooplè. Indiretamente cria e organiza várias exposições de escultura, máscaras e dança africana.
Docente de renome internacional, Tiérou atualmente oferece ensinamento ao público em geral, e desde 2002 apresenta o resultado de sua pesquisa teórico e prática sobre ‘A poética da dança africana e o saber da arte primitiva’ e ‘Qualidades da dança africana’. Em 1989 – 1990 ministra aulas de dança africana para a equipe do Hospital especializado de Avignon, em Avignon (França).

Dentre seus livros destacamos La Danse Africaine Peut Faire Bouger L'Afrique’ somente publicado em 2001, onde Alphonse Tiérou inaugura abordagem teórica à dança africana apresentando um vocabulário gestual que inclui 10 movimentos básicos comuns (invariantes) existentes por todo o continente africano, abrindo desta maneira, caminho para a criação coreografia contemporânea em África. Nesta pesquisa o Alphonse vai mais longe ao considerar a dança a partir da perspectiva da economia, onde também restaura a relação entre a dança e escultura africana como elemento de um universo artístico comum e, portanto, mais significativo. Para este a dança e a essência da cultura africana, revelando a alma dos povos d’África, e acima de tudo a preocupação do homem africano. Assim, qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social á ser realizado neste continente que exclua este homem esta fada ao fracasso.
Para Tiérou a entrada de arte africana no Louvre (Paris, França), em abril de 2000, permitiu à todos no mundo terem a oportunidade de olhar para a estética africana e cada um observá-la de modo diferente. Todavia confessa:
o que sabemos para certas posturas corporais evocadas por estas esculturas antigas em relação à dança e a história da arte? E em comparação com a análise de movimento, de que modo um bailarino/dançarino ou artista será hoje capaz de fundamentar seu trabalho a partir dessa obra de arte? Há uma expectativa real sobre esta demanda e claro, essas questões não são apenas elementos de pesquisa a serem desenvolvidas.
É evidente que Tiérou sabe que estas questões não são os únicos modos de refletirmos sobre a arte africana e nos oferece outras observações:
- “É irresponsável pensar que o ensino da dança africana é apenas uma questão de ‘jarretes de força (forte musculatura) de panturrilhas e pernas’, e que não possuem um suporte de reflexão, imaginação ou criatividade. Não nos deixemos seduzir pela ignorância de alguns e pela maldade de outros ao julgar com desgaste tudo que está relacionado à dança africana”;
- “A dança clássica luta contra a gravidade e busca a verticalidade. A dança africana lida com a atração da gravidade das curvas, espirais, quebradas, oblíquas, horizontais e dos movimentos angulares. Ambas as escolas parecem opostas e ainda não há convergências”;
- “África não é um local de acampamento nem uma aldeia. Não é uma cidade, nem um país. A África é um continente! Além disso, a África de ontem não é a África de hoje. Não será também a África de amanhã. A dança africana e sua criação artística devem refletir essas realidades em alguma medida”.
            - “Vamos nos distanciar – pessoas, instituições e entidades, para que examinemos melhor e deixemos de negar todo um continente o direito de qualquer forma de evolução, modernização ou inovação, como se a África em toda sua dimensão continental devesse continuar sendo encarada como um museu das tradições que pertencem somente ao passado”.
Coreografia 'Eu sou porque nós somos'
Por fim, podemos observar que a linguagem da dança, de modo geral, e da dança africana, de modo singular para Tiérou, produz bens culturais não podendo somente ser vista atuando com um papel de catalisadora, mas devendo sim, todavia, ser apontada como motora da evolução das mentalidades, as quais reforçam sua coesão com o mundo e com o homem – ‘os passos de dança movem África!’
Desta maneira podemos reconhecer na dançologia de Alphonse Tiérou que a Dança Africana permanece ainda um saber com muitas facetas desconhecidas a serem descobertas e que os passos de dança movem África!
“Presente em todas as ocasiões (batismo, indicação dos nomes, o veredicto do juiz...), do cerimonial ou entretenimento, a dança é uma memória coletiva ou um banco de dados de valor inestimável.” (Alphonse Tiérou)

Fontes de referência: